Contra Transferência

Quando não resolvemos o problema do outro, porque o nosso problema é igual ao do outro.

A teoria psicanalítica sobre a transferência e a contra transferência, Freud, teve que idealizar uma teoria que permitisse, com um esquema referencial, também explicar tudo o que foi descobrindo. Apresentou a proposta do chamado Aparelho Psíquico, que deve e pode ser estudado desde os pontos de vista estrutural, dinâmico e econômico. 
O psicanalista, é um ser humano, com seus próprios problemas, conflitos e características de personalidade.
Cada um de nós tem sua própria história, seus conflitos infantis, e sua conduta (mais ou menos também conflitiva )e sua forma particular de interpretação. 
Estudou , se formou, fez sua terapia analítica, supervisionou seus casos com colegas mais experientes e está apto para a prática da psicanálise. Porém, não deixa de ser uma pessoa, um ser humano vulnerável, sensível, vaidoso, ambicioso, invejoso, que ama e odeia, que ainda que capacitado para sua prática terapêutica, também sente, segundo as circunstâncias, carinho, afeto, rejeição, tédio, frente ao que seu "paciente" fala, relata, apresenta, projeta nele/nela (transferência), e se irrita, fica entediado, sente empatia e segundo o material da temática tratada, se angustia e sofre. 
Está sim, treinado para tudo isso, porém não poucas vezes tem que pensar e repensar numa interpretação, talvez produto de seus próprios conflitos e personalidade, ou procurar super-visar esse caso ou situação. Isto é contratransferência, importante elemento do tratamento psicanalítico, que quando não bem conhecido ou ignorado, pode levar a graves erros terapêuticos. 
Também quando bem interpretado, pode se tornar um valioso instrumento terapêutico que ajuda a compreender melhor o que está acontecendo numa situação ou em um tratamento. 
Devemos lembrar que assim como existem transferências resistenciais, amor de transferência, idealização do terapeuta e outras nuances, estas são próprias deste tipo de tratamento, e também existem no psicanalista, que tem o recurso de se corrigir procurando ajuda de seus colegas, supervisão e até uma outra análise a mais.


http://www.psicopedagogiaonline.com.br/index.php/86-transferencia-e-contratransferencia
Agressões mútuas que se manifestam na situação ensino-aprendizagem|
Convido a turma de sétima série do Ensino Fundamental, para assistirmos documentário sobre a Revolução Francesa. 
Apesar de ter feito introdução sobre o conteúdo do filme, uma aluna, que aqui chamarei por Ana, me pergunta o porquê de eu não ter trazido o filme "A Estuprada". Contratransferencialmente, sinto profundo mal estar e respondo que este, ela poderia pedir à mãe que passasse na locadora após a aula e levasse , para que ,juntas assistissem na sala da casa dela. 
Ana se transfigurou e, com uma expressão de dor estampada no rosto , retrucou raivosamente que não tinha mãe . 
Senti-me, naquele momento, culpada e impotente por não ter sido capaz de entender a agressão , que , agora, com toda certeza, posso reconhecer que, na origem, não era para mim. Eu estava apenas servindo de depósito para o ódio que ela tinha da mãe.
Investiguei nos arquivos e com os colegas mais antigos, sobre a história de Ana.
A mãe fugiu para o Estado do Espírito Santo quando ela tinha apenas três anos , e foi viver lá com um homem. 
Ana ficou aos cuidados da avó e sofreu abuso sexual aos onze anos por parte do irmão da mãe.
Agora, Ana tem catorze anos e pede para eu passar diante de todos, a sua dor, o seu estupro. 
Pede de forma agressiva, aos " berros". A Estuprada é a própria criança que , sem saber como lidar com a sua dor, agride a mim e aos outros. 
O que ela queria me transmitir? Que sentimentos transferiu para mim? Por que reagi também de modo agressivo? Tudo indica que, naquele momento ela estava me acusando de ter culpa pelo seu estupro. 
O ódio que sente pela mãe, foi transferido para mim. 
O meu inconsciente captou este ódio e reagiu agressivamente, defensivamente.
Regredi, me tornei também adolescente e numa situação de contratransferência fui agressiva na mesma moeda. Foi ,ali, olho por olho...
Ana fala da mãe como se ela já estivesse morta. do mesmo modo que "matou" a mãe, queria também me matar . Ela não diz nunca que a mãe vive em outro Estado. Simplesmente responde que não tem mãe. Ela tenta "matar" professoras, diretoras, merendeiras e a avó...
Após tomar conhecimento da historia de Ana, passei a pensar em todas as agressões que os professores e professoras recebemos e o modo como reagimos a estas agressões .
Esta situação com Ana, ocorreu na época em que eu estava na metade do curso de Psicopedagogia. Comecei então, a ler muito sobre o fenômeno da transferência. Encontrei vários textos sobre o assunto, mas quase sempre ligados às situações analíticas. Chamou-me a atenção o fato de não haver quase nada sobre contratransferência, principalmente a negativa.
Levando em conta que transferência e contratransferência formam uma unidade, isto é, não são de modo algum dissociáveis, mesmo que para uma transferência negativa possa ocorrer uma contratransferência positiva, ainda assim, formam uma unidade, então, por que os trabalhos , tanto no campo da psicanálise, como co campo das psicopedagogia, dão maior importância a transferência?
Talvez haja uma fuga inconsciente dos profissionais, no sentido de não interpretar suas contratransferências e expô-las ao público. 
É mais confortável interpretar material clínico vindo do inconsciente dos pacientes, dos alunos, do que aquele material que vem do meu inconsciente. Mesmo porque, para eles eu posso dar um nome fictício, como o faço para Ana. Mas, e, nós profissionais de psicopedagogia professores, psicanalistas... 
Quando exponho ao público, material clínico, me identifico perante meus pares: Não é mesmo fácil, devemos confessar, expor a todos, as contratransferências negativas (embora Freud o fizesse constantemente) .
O medo de uma exposição negativa pode mesmo ser o motivo maior da carência de trabalhos de interpretações das contratransferências.
De acordo com Strachey (1948), " Ser analista significa não responder talionicamente, não entrar no círculo vicioso neurótico do paciente, não se submeter às defesas do analisando e isto implica numa contínua busca de compreensão. (grifo meu) 
Transferindo a situação de analise para a sala de aula, onde sabemos ocorrer a transferência e contratransferência , podemos pedir emprestado a Strachey e adaptar a sua afirmação para a situação ensino-aprendizagem: "Ser professor significa não revidar na mesma moeda, não entrar no círculo vicioso neurótico do aluno, não se submeter às defesas do aluno e isto implica numa contínua busca de compreensão. 
O psicanalista, presume-se, possui base teórica e análise didática , que, juntas formam a base que lhe dá condições de ir à busca constante desta compreensão que Strachey nos sugere. Mas , e os professores e professoras? O que recebemos nas universidades nos capacita suficientemente para lidarmos com a diversidade de situações que encontramos no espaço escolar? A nossa clientela, principalmente a da Escola Pública, sofre de inúmeras mazelas sociais, além de outras tantas que abrange também `a clientela das escolas particulares. Daí temos que lidar com os ódios provenientes da fome, dos espancamentos, do alcoolismo dos pais, dos abusos sexuais... e são tantos os males e maiores ainda os ódios, que se transformam em fontes inesgotáveis de manifestações de transferências negativas.
Que tipo de respostas contratransferenciais estamos preparados para dar nos momentos das agressões mais acentuadas?
O fracasso escolar e a evasão decorrente dela são indicativos de que ainda não estamos lidando adequadamente com os fenômenos que envolvem o ensinar e o aprender . As reações que nós, ensinantes temos, é reflexo ou conseqüência da formação que tivemos, além da história de vida e leitura de mundo que cada um de nós fazemos. .
É por isto que se faz necessário e até urgente, que a psicopedagogia, além de teórica, passe a ser também prática, ocupando o seu lugar , que deveria ser nas universidades, onde professores e professoras recebemos formação.. Precisamos sair dos cursos de licenciatura com uma base psicopedagógica que seja capaz de sustentar a nossa prática no cotidiano escolar.
Para que eu possa estar em constante busca da compreensão se faz necessário que eu aprenda primeiro a lidar com os meus sentimentos, pois compreendendo o que se passa no meu interior, posso, a partir daí, tentar compreender as transferências de meus alunos para que numa situação de contratransferência (que vai sempre ocorrer nas interrelacões vida afora) , possa, na maioria das vezes, contratransferenciar de modo positivo, e, quando não possível, que pelo menos permaneça silenciosa. 
Ë provável que a dinâmica presente na História da Revolução Francesa , com tantas mortes , decapitações, enfim, situações constantes de perdas, lutos, tenha se misturado à dor das perdas sofridas por Ana, dando desencadeamento àquelas manifestações . 
Hoje, se Ana me pedisse para passar o filme "a Estuprada", mesmo que não soubesse da história de vida dela, desconfiaria de algo e não responderia daquele jeito tão agressivo. Diria a ela que , após o documentário sobre a Revolução Francesa, se ela quisesse, poderíamos conversar sobre o assunto. Mas, a minha mudança de atitude não aconteceu como num passe de mágica. É resultado de uma formação psicopedagógica , que hoje me fornece condições de, seguindo a sugestão de Strachey, estar sempre à busca constante da compreensão.

Winnicott  refletindo sobre voltar ao uso original da palavra contratransferência. 
Explica dizendo que a palavra self, por exemplo, expressa muito mais do que podemos expressar, mas a palavra contratransferência, para o autor, soa como artificial, que pode ser escravizada, correndo o risco de perder sua identidade.

No estudo de Winnicott “Hate in the Counter-Transference”, o autor diz que um uso da palavra contratransferência deveria ser para descrever anormalidades nos sentimentos, relacionamento e identificações estabelecidos na contratransferência, que estão sob repressão no analista e que, neste sentido, o analista precisaria de mais análise.

O significado da palavra contratransferência pode ser estendido, contudo, desde que seu entendimento seja minimamente esclarecido, para poder ser examinado por um novo ângulo, segundo Winnicott.

Para Winnicott, a característica da técnica psicanalítica reside no uso da transferência e da neurose de transferência. Transferência não é uma questão de relacionamento, ou relações. Ela se refere ao modo de como fenômenos altamente subjetivos aparecem repetidamente. A psicanálise consiste em propiciar as condições para o desenvolvimento desses fenômenos e a interpretação dos mesmos no momento oportuno. A interpretação relaciona o fenômeno específico da transferência a uma parcela da realidade psíquica do paciente, e isso significa em alguns casos relacioná-la ao mesmo tempo a uma parcela da vida passada do paciente.

Em um exemplo típico para Winnicott, um paciente vai gradativamente chegando a sentimentos de suspeita e ódio relacionados com o analista, fato que pode ser visto como tendo relação com o risco de se encontrar com outro paciente, ou com as interrupções devidas a fins de semana ou feriados. Com o tempo uma interpretação faz sentido disto tudo em termos não do presente, mas da estrutura dinâmica da personalidade do paciente. Depois desta elaboração o paciente perde a neurose de transferência específica e parte para outra.

Um dos aspectos da transferência é o da necessidade do paciente de idealizar o analista, e se apaixonar por ele, de sonhar. Freud previu uma ampla gama de fenômenos subjetivos no relacionamento profissional; a análise do próprio analista foi de fato o reconhecimento de que o analista está sob tensão ao manter a atitude profissional. Winnicott pondera dizendo que a análise do próprio analista não é para livrá-lo da neurose, mas sim aumentar sua estabilidade de caráter e a maturidade da personalidade do profissional, sendo esta a base de seu trabalho e de nossa habilidade de manter um relacionamento profissional.

Para Winnicott o analista precisa se manter vulnerável e ainda assim reter seu papel profissional durante suas horas de trabalho, pois o analista que mantem um comportamento correto está mais a vontade do que o analista que retém vulnerabilidade (ainda que mantenha o comportamento correto) que faz parte de uma organização defensiva flexível (termo usado também por Fordham, autor citado por Winnicott).

Quando o paciente, por exemplo, diz que o analista parece sua mãe, isso é um indício que o analista poderá interpretar, não apenas a transferência de sentimentos da mãe para o analista, mas também os conflitos gerados e as defesas então postas. É deste modo que o inconsciente começa a ter um equivalente consciente e a se tornar um processo vivo e se tornar um fenômeno aceitável pelo paciente. O que o paciente encontra é a atitude profissional do analista, não a do homem ou mulher não-confiável que costumamos ser na vida privada.

Winnicott afirma que o analista no trabalho está em um estado especial, isto é, que sua atitude é profissional. O trabalho é feito em uma situação profissional. A atitude profissional é como um simbolismo, no sentido de que pressupõe uma distância entre analista e paciente. O símbolo está no fosso entre o objeto subjetivo e o objeto que é percebido objetivamente.

O analista é objetivo e consistente na hora da sessão, sem pretender ser um salvador, professor aliado ou moralista. O efeito importante da análise do próprio analista neste contexto é que fortalece seu próprio ego de modo a poder permanecer profissionalmente envolvido, e sem esforço demasiado. Na medida em que isto tudo é correto, para Winnicott, o significado da palavra contratransferência só pode ser o de aspectos neuróticos que estragam a atitude profissional e perturbam o curso do processo analítico determinado pelo paciente.

Para o autor, dois tipos de casos alteram completamente a atitude profissional do terapeuta. Um é o paciente com tendências anti-sociais e o outro é o paciente que necessita

de regressão. Winnicott explica que o paciente antissocial está permanentemente reagindo à privação. Sendo assim, o terapeuta é impelido pela doença do paciente a corrigir e continuar corrigindo a falta de apoio ao ego que alterou o curso da vida do paciente. Neste caso o terapeuta irá trabalhar na tentativa de chegar a uma avaliação precisa da privação original, como percebidas pelo paciente quando criança.

No tipo de paciente que necessita regressão ele precisará passar por uma fase de dependência infantil. E, para Winnicott, a maior dificuldade nesses casos está no diagnóstico, na identificação da falsidade da falsa personalidade que oculta o self verdadeiro imaturo. Para o self verdadeiro aflorar é necessário passar por um coapso como parte do tratamento, e o analista precisará ser capaz de desempenhar o papel de mãe para o lactente do paciente. Isso significa dar apoio ao ego em grande escala. O analista precisará permanecer orientado para a realidade externa ao mesmo tempo que identificado ou mesmo fundido com o paciente. O paciente precisa ficar extremamente dependente.

O autor pondera que tais pacientes exigem outras técnicas no manejo do tratamento e em alguns desses casos a técnica psicanalítica não é a melhor opção, ou deve ser aplicada de forma diferenciada, mas Winnicott não aprofunda no texto sobre como manejar tais pacientes.

Winnicott não aconselha estudantes de psicanálise atenderem pacientes psicóticos com necessidades primitivas, porque poucos poderão suportá-las. Por outro lado, o autor nos diz que em uma prática psicanalítica organizada há lugar para alguns pacientes que forçam a passagem do limite profissional, e que realizam estes testes e exigências especiais, que parecemos estar incluindo sob o termo contratransferência.

O autor exemplifica que foi agredido por uma paciente e como reagiu a isso não se pode publicar. Explica que foi uma reação e não uma contratransferência, pois a paciente atravessou a linha profissional e chegou muito perto do eu verdadeiro do terapeuta.

A partir da leitura do texto pude perceber que para Winnicott, Contratransferência, é um termo usado para pacientes neuróticos, onde o analista poderá analisar seus sentimentos e reações a partir da neurose de transferência que ocorre na análise. Com pacientes psicóticos o autor sugere o termo “a resposta total do analista às necessidades do paciente”, de Margareth Little.

BIBLIOGRAFIA
Winnicott, D. W. (1983). O ambiente e os processos de maturação: estudos sobre a teoria do desenvolvimento emocional. Porto Alegre: Artmed.

SRACHEY, J Natureza de La Accion Terapêutica Del Psicoanálises. T.V.1948. Citado por CARON & MALTZ na RBP vol. XVIII. No. 4, Rio de Janeiro: 1984.

LAPLANCHE e PONTALIS. Vocabulário de Psicanálise. Martins Fontes, São Paulo: 2000.

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